O MUD
EM ALCOBAÇA.
A
COMISSÃO DOS JURISTAS DEMOCRÁTICOS.
SANCHES
FURTADO.
RECORDAR
PARA NÃO ESQUECER.
Fleming
de Oliveira
É
interessante recordar, no âmbito MUD, a Comissão
dos Juristas Democráticos, umas das primeiras subsecções a iniciar atividade.
Embora
o DL nº35044, de 20 de outubro de 1945, tivesse extinguido o Tribunal Militar Especia, e criado os Tribunais Plenários, encarregados de
julgar os alegados crimes contra a Segurança do Estado, pouco ou nada mudou.
Um dos
primeiros casos a chegar à Comissão de
Juristas Democráticos, foi o dos marinheiros do Dão e Afonso de Albuquerque,
que tinham sido julgados e condenados em 1936, pelo Tribunal Militar Especial. A defesa destes e outros políticos, bem
como a denúncia continuada das arbitrariedades do regime e da polícia política,
foram atos de coragem e de desprendimento de advogados que, por amor à causa,
fizeram da barra do tribunal, uma trincheira de combate.
Tanto quanto o movimento se sentiu
credor de adesão popular, na mesma medida se tornou uma ameaça para o Regime.
Para Salazar, quem não fosse por ele era contra ele (e comunista), pelo que
pouco mais de três anos depois, em janeiro de 1948, ilegalizou-o, sob o
pretexto de ligações ao PC. No entanto o MUD, ainda veio a apoiar a candidatura
do Gen. Norton de Matos, em 1949.
A par do MUD existia o MUDJuvenil, entre os quais militavam
Salgado Zenha, João Sá da Costa, Júlio Pomar, Maria Fernanda Silva, Mário
Sacramento, Mário Soares, Fidelino Figueiredo e Rui Grácio.
No MUDJuvenil conviviam várias
ideologias e tendências, que de comum tinham o serem oposicionistas à Ditadura
e ao Estado Novo.
Ferrer Correia, meu Professor na F.D. Univ. Coimbra, e mais tarde
Presidente da Fundação Gulbenkian após
Azeredo Perdigão, foi um dos juristas e académicos que aderiu ao MUD no
pós-guerra. Mestre reputado, fez percurso coerente de defesa dos ideais
republicanos e académicos. Aluno brilhante, doutorou-se aos 27 anos com uma
tese sobre o Erro e Interpretação
na Teoria do Negócio Jurídico que lhe granjeou prestígio a nível
internacional. As convicções políticas, contudo, haviam de lhe atrasar a
carreira académica: em 1945, com outros mestres da Faculdade de Direito, como
Manuel de Andrade, Teixeira Ribeiro e Eduardo Correia (estes dois que também
foram meus professores), aderiu ao Movimento de Unidade Democrática, o que
lhe valeu ter de esperar dois anos pela abertura do concurso para Professor
Extraordinário da instituição.
O MUD,
tal como o MUDJuvenil, também teve presença em Alcobaça. A apreensão em
Alcobaça de documentos relativos ao MUD, de um jornal clandestino e de um panfleto
anti-fascista, no ano de 1947 que constam do Processo nº 230/47 da PIDE, que a
Profª. Zulmira Marques consultou, têm interesse para a pequena história
política de Alcobaça.
No dia
28 de Abril de 1947, no laboratório da Farmácia Campião foram descobertos um Relatório e Mapas de Contas da Comissão
Concelhia de Alcobaça do MUD, um exemplar muito amarelecido do n°19 do
jornal clandestino A Terra (de 1945),
e um panfleto intitulado O Povo Português
Quer Justiça. o jornal A Terra,
assumia-se como órgão anti-fascista e trazia no editorial um artigo muito
crítico de Salazar.
Estiveram,
entre outros, envolvidos na formação e desenvolvimento do MUD, em Alcobaça:
-Carlos
Pereira Campeão, farmacêutico, de 64 anos, casado, natural de Tomar, dono da
farmácia com o mesmo nome, que ainda hoje existe;
-Acácio
da Silva Morais, de 37 anos, casado, empregado na Farmácia Campião;
-Artur
Faria Borda, de 38 anos, casado, comerciante;
-Joaquim
Belo Marques da Silveira, de 56 anos, divorciado, farmacêutico;
-José
Sanches Furtado, de 56 anos, casado, comerciante;
-João
da Trindade Ferreira, de 32 anos, solteiro, comerciante;
-António
Joaquim Moreira, de 51 anos, casado, proprietário, de Évora de Alcobaça;
-Joaquim
dos Santos Cesário, de 42 anos, casado, empregado comercial;
-Adelino
Serrano de Sousa e Silva, de 25 anos, solteiro, empregado de comércio;
-José
de Oliveira Júnior, de 51 anos, casado, industrial de tipografia;
-João
Duarte, de 62 anos, casado, reformado dos correios; e
-Aníbal
Duarte, de 32 anos, casado, industrial de tipografia (dono da Tipografia
Provir), e residente nas Caldas da Rainha;
Segundo
o processo, que vou seguir de perto graças à disponibilidade e amabilidade da
Profª. Zulmira Marques (filha de J. Sanches Furtado), chamado a depor pela seção
local da PIDE, o proprietário da Farmácia Campeão, Carlos Pereira Campeão,
afirmou que o exemplar do Relatório e Mapas de Contas do MUD lhe foram
entregues na sua ausência, desconhecendo a pessoa que o tivesse enviado,
enquanto que o jornal e o panfleto clandestinos lhe foram enviados pelo
correio, desconhecendo o remetente. O interrogado garantiu que na farmácia
nunca teve mais exemplares do Relatório e
Mapas de Contas do MUD, mas que teve na montra um impresso aconselhando o
povo a fazer o seu recenseamento eleitoral, trabalho executado pela Comissão
Concelhia do MUD, e um impresso com as instruções para essa ação cívica.
Declarou que quem recebeu, via correio, tais impressos foi o seu empregado
Acácio da Silva Morais.
Chamado
a depor, José Sanches Furtado afirmou que faz efetivamente parte da Comissão
Concelhia do MUD de Alcobaça, sem sede fixa, entidade que tem cobrado quota aos
adeptos. José Sanches Furtado disse ignorar quem foi a pessoa que enviou os
documentos.
Artur
Faria Borda referiu por sua vez que o Relatório
e Mapas de Contas do MUD foi impresso na Tipografia Provir, dado a recusa da parte da Tipografia Alcobacense em executar o trabalho.
Todos
os demais implicados neste processo, foram ouvidos pelos agentes da PIDE, mas
os seus testemunhos não acrescentaram nada de relevante para o historial do
caso.
Os Autos de Declarações podem ser
consultados nos originais existentes na Torre do Tombo.
Por
fim, há que mencionar um relatório da PIDE acerca destes acontecimentos e a
avaliação do meio político de Alcobaça. Neste documento é transmitida a ideia
que Alcobaça é uma terra pouco afeta à Situação (o que não era de todo uma
avaliação muito correta…) e que, por via disso, os trabalhos de investigação
foram difíceis e demorados. Os agentes da PIDE queixavam-se, da quase
inexistência de colaboradores bufos, nos órgãos camarários e policiais da terra.
De
acordo ainda com informações disponibilizadas pela Profª. Zulmira Marques, seu
pai José Sanches Furtado, nasceu em 28 de Dezembro de 1891, no seio duma
família da alta burguesia de Alcobaça e, naturalmente pela sua condição,
estaria destinado a ter uma vida fácil e acomodada.
Porém, ele era muito diferente de seu pai,
um monárquico fervoroso, duas vezes Presidente da Câmara e que nem queria ouvir
falar da República, que se anunciava…. Meu pai tinha 19 anos quando foi
proclamada a República, e no ardor da sua juventude, ela tornou-se a sua grande
paixão. Serviu-a abnegadamente, foi duas vezes Administrador do Conselho de
Alcobaça, granjeou muitas simpatias nas populações, pela forma como exerceu
essas competências. Quando se deu a Revolta de Braga e depois a Revolução (28
de Maio de 1926), para ele foi um golpe terrível, e a partir daí tudo fez para
que caísse o Estado Novo. Já em 1931, foi um dos mentores duma conspiração em
que, seriam cortadas as comunicações em Pataias (que já referi atrás). Por
isso, um grupo de alcobacenses teve que fugir para Espanha, onde estiveram
exilados durante dois anos. Quando regressou a Alcobaça, não se conformou com a
situação e depois de ter estado muito activo nas várias conspirações como, a
Revolta da Mealhada foi de casa de meu pai que a família Botelho Moniz, primos
do General Botelho Moniz, sairam juntamente com meu pai, já todos devidamente
fardados para ir cortar as comunicações no Valado. Negligentemente e como
sucedeu várias vezes ao longo de sua vida, quando lá chegaram foram informados
que a revolta abortara e tiveram que regressar a minha casa. Quando das
eleições do General Norton de Matos, foi um dos elementos mais activos, e isso
valeu-lhe ser de novo preso e ter estado em Caxias durante três meses. Não
esteve mais tempo porque nessa altura era Procurador-Geral da República, seu
primo António Furtado Santos que intercedeu por ele. Infelizmente alguns dos
seus companheiros, como pertenciam ao PC, estiveram presos em Peniche durante
vários anos. Meu pai pertencia ao Partido Republicano Democrático, de Afonso Costa, e toda a vida
se guiou esse ideário. Quando das eleições em que interveio o General Humberto
Delgado, pela oposição, apesar da idade e doença agitou o Concelho todo a seu
favor, e acompanhou-o durante a sua estadia em Alcobaça, por todas as
freguesias e no dia das eleições esteve a fiscalizar as urnas, tendo obtido o
partido da oposição uma vitória.
Existe
uma foto, tirada à porta do antigo Café
Restaurante Bau e Pastelaria Toval,
onde José Sanches Furtado aparece ao lado do general, que se encontra publicada
no jornal O Alcoa, na secção RECORDAR
PARA NÃO ESQUECER!
Nesta
foto, a redação de O Alcoa, sob a
pena de Orlando Carvalho Pedrosa (já falecido), qualificou José Sanches
Furtado, como democrata, idealista, homem
vertical que a todos deixou profunda saudade.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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