quarta-feira, 2 de abril de 2014

UM MORTO NA VALA DA COFTA-ALCOBAÇA (1950)



 

UM MORTO NA VALA DA COFTA-ALCOBAÇA (1950)


Fleming de Oliveira


Por alturas de junho de 1950, apareceu afogado, numa vala junto à antiga Fábrica de Fiação e Tecidos de Alcobaça (COFTA), um indivíduo sem roupa, e cuja identidade nunca veio a ser confirmada, pelas autoridades. De facto, o cadáver foi enterrado por ordem do M.P. de Alcobaça, em vala comum. O assunto teve pouca repercussão local e ninguém, ao que saibamos, se mostrou especialmente interessado em aprofundá-lo. Por ali ficou esquecido.

Segundo escreveu Fernando de Sousa de Araújo Gouveia (técnico superior da DGS quando eclodiu o 25 de Abril, dez vezes louvado e com uma condecoração grega), in Memórias de um Inspector da PIDE, tratar-se-ia de Luís Moreira do Vale, funcionário do PC, cujo paradeiro se desconhecia há algum tempo.
Para Fernando Gouveia, este evento seria o corolário de uma história recambolesca, que começou com o assassinato de uma mulher, cujo o cadáver foi encontrado no lugar da Caverneira, Águas Santas, Maia, e a que o Jornal de Noticias, de 27.06.1950, deu algum relevo.
(…) A infeliz, além de vários golpes no rosto, apresentava alguns orifícios na cabeça e no peito, produzidos por balas. Junto ao corpo foram encontradas sete cápsulas de pistola e um carregador e uma mala de mão, apresentando o cadáver sinais de luta (…).
No desenvolvimento das investigações, a vítima, cuja identidade se desconhecia, pois estava deliberadamente desfigurada, foi autopsiada no Instituto de Medicina Legal, do Porto, tendo-se concluído que fora atingida por onze tiros, nove pela frente e dois por detrás. E que já em terra, fora ainda atingida por mais dois no coração. Parecia estar-se perante um crime passional, embora fosse estranho o facto de terem sido usadas duas pistolas. O Jornal de Notícias, continuando a acompanhar o caso, levantou a hipótese (que se veio a revelar consistente) de a dita mulher ser de Vila Franca de Xira, visto nesta localidade ter, entretanto, aparecido no posto da GNR, uma outra que a reconheceu como sendo sua irmã, Aurélia da Ascensão.
O Instituto de Medicina Legal, para ajudar a identificar a vítima, havia pedido aos jornais que divulgassem os seus sinais. Tratava-se, pois, de Aurélia da Ascensão ou Assunção, casada com um tal Luís Moreira do Vale, como veio a ser reconfirmado por um irmão.
Continuando a desenvolver e publicar notícias, o Jornal de Notícias, divulgou mais pormenores, concretamente, que o autor do homicídio terá sido o marido Luís Moreira do Vale, que se encontrava a monte. O casal vivia há uns anos na zona do grande Porto, mudando-se com alguma frequência, usando cada um deles um novo nome, dado serem funcionários do PC. A 14 de abril, o casal mudou-se mais uma vez, talvez a última, utilizando um automóvel conduzido por indivíduo, entretanto devidamente identificado, e que desapareceu oportunamente.
Segundo a PIDE, melhor dizendo, Fernando Gouveia, a morte da mulher, funcionária do PC, estaria ligada, embora de uma forma não esclarecida, com a transferência apressada de uma tipografia clandestina do PC, em Vila Nova de Gaia, para Caldas da Rainha. Depois da morte da Aurélia, o PC, conforme o escrito de Fernando Gouveia (cuja credibilidade  me merece  reservas), passou a apresentá-la, como uma debochada, incapaz de suportar a presença de um homem sem o cobiçar, e sem se lançar nos braços do primeiro que lhe acenasse, o que fazia perigar a segurança da casa ilegal que habitava com o marido, Luís Moreira do Vale, ao mesmo tempo que punha em risco os camaradas centrais, que passavam por lá em inspecção periódica. E atribuía o crime ao ciúme de qualquer amante despeitado.
Fernando Gouveia, adianta que o PC, considerando-a incorrigível, decidira puni-la, mandando desmanchar a casa e regressar à vida legal ou para Alhandra, onde residira com o marido, antes de ambos passarem à clandestinidade ou para Vila Franca de Xira, donde era natural.

Ninguém sabe o que se terá passado depois, porque foram utilizadas duas armas, a intenção de a desfigurar tão gravosamente, bem como o destino do Luís Moreira do Vale. Como apareceu então o Luís Moreira do Vale numa vala que corre, sem resguardo, ao longo de muitos metros da estrada Alcobaça-Valado de Frades, perto da C.O.F.T.A.?

Para Gouveia, a mulher terá sido morta por ação de duas pessoas, ambas do PC, uma das quais o marido, o qual veio a ser depois silenciado pelo cúmplice, para prevenir uma eventual denúncia.
A credibilidade de Fernando Gouveia suscita dúvidas.
Nunca refere (obviamente?),  o que se sabia no seio da oposição e passou a ser público, depois do 25 de Abril, desde logo, graças à ação da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, que elaborou um relatório para a Comissão de Extinção da PIDE/DGS.
O ex-PIDE, destaca pelo contrário, o mérito das práticas coercivas utilizadas cientificamente nos interrogatórios de manhã, de tarde ou noite, sem evidenciar que o grande objetivo era aniquilar a vontade de resistência do detido, destruir a sua personalidade, utilizando, se necessário, a humilhação para o levar a falar. E destaca ainda, as condecorações e louvores a si e colegas, bem como os métodos de investigação.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS





Sem comentários: