UM MORTO NA VALA DA COFTA-ALCOBAÇA (1950)
Fleming
de Oliveira
Por
alturas de junho de 1950, apareceu afogado, numa vala junto à antiga Fábrica de
Fiação e Tecidos de Alcobaça (COFTA), um indivíduo sem roupa, e cuja identidade
nunca veio a ser confirmada, pelas autoridades. De facto, o cadáver foi
enterrado por ordem do M.P. de Alcobaça, em vala comum. O assunto teve pouca
repercussão local e ninguém, ao que saibamos, se mostrou especialmente
interessado em aprofundá-lo. Por ali ficou esquecido.
Segundo
escreveu Fernando de Sousa de Araújo Gouveia (técnico superior da DGS quando
eclodiu o 25 de Abril, dez vezes louvado e com uma condecoração grega), in Memórias de um Inspector da PIDE, tratar-se-ia de Luís Moreira do Vale,
funcionário do PC, cujo paradeiro se desconhecia há algum tempo.
Para
Fernando Gouveia, este evento seria o corolário de uma história recambolesca,
que começou com o assassinato de uma mulher, cujo o cadáver foi encontrado no
lugar da Caverneira, Águas Santas, Maia, e a que o Jornal de Noticias, de
27.06.1950, deu algum relevo.
(…) A infeliz, além de vários golpes no rosto,
apresentava alguns orifícios na cabeça e no peito, produzidos por balas. Junto
ao corpo foram encontradas sete cápsulas de pistola e um carregador e uma mala
de mão, apresentando o cadáver sinais de luta (…).
No
desenvolvimento das investigações, a vítima, cuja identidade se desconhecia, pois
estava deliberadamente desfigurada, foi autopsiada no Instituto de Medicina
Legal, do Porto, tendo-se concluído que fora atingida por onze tiros, nove pela
frente e dois por detrás. E que já em terra, fora ainda atingida por mais dois
no coração. Parecia estar-se perante um crime passional, embora fosse estranho
o facto de terem sido usadas duas pistolas. O Jornal de Notícias, continuando a
acompanhar o caso, levantou a hipótese (que se veio a revelar consistente) de a
dita mulher ser de Vila Franca de Xira, visto nesta localidade ter, entretanto,
aparecido no posto da GNR, uma outra que a reconheceu como sendo sua irmã,
Aurélia da Ascensão.
O
Instituto de Medicina Legal, para ajudar a identificar a vítima, havia pedido
aos jornais que divulgassem os seus sinais. Tratava-se, pois, de Aurélia da
Ascensão ou Assunção, casada com um tal Luís Moreira do Vale, como veio a ser
reconfirmado por um irmão.
Continuando
a desenvolver e publicar notícias, o Jornal de Notícias, divulgou mais
pormenores, concretamente, que o autor do homicídio terá sido o marido Luís Moreira
do Vale, que se encontrava a monte. O casal vivia há uns anos na zona do grande
Porto, mudando-se com alguma frequência, usando cada um deles um novo nome,
dado serem funcionários do PC. A 14 de abril, o casal mudou-se mais uma vez,
talvez a última, utilizando um automóvel conduzido por indivíduo, entretanto
devidamente identificado, e que desapareceu oportunamente.
Segundo
a PIDE, melhor dizendo, Fernando Gouveia, a morte da mulher, funcionária do PC,
estaria ligada, embora de uma forma não esclarecida, com a transferência
apressada de uma tipografia clandestina do PC, em Vila Nova de Gaia, para
Caldas da Rainha. Depois da morte da Aurélia, o PC, conforme o escrito de Fernando
Gouveia (cuja credibilidade me merece reservas), passou a apresentá-la, como uma debochada, incapaz de suportar a presença de
um homem sem o cobiçar, e sem se lançar nos braços do primeiro que lhe
acenasse, o que fazia perigar a segurança da casa ilegal que habitava com o marido, Luís Moreira do Vale, ao mesmo tempo
que punha em risco os camaradas centrais, que passavam por lá em inspecção periódica.
E atribuía o crime ao ciúme de qualquer amante despeitado.
Fernando
Gouveia, adianta que o PC, considerando-a incorrigível,
decidira puni-la, mandando desmanchar a casa e regressar à vida legal ou para
Alhandra, onde residira com o marido, antes de ambos passarem à clandestinidade
ou para Vila Franca de Xira, donde era natural.
Ninguém
sabe o que se terá passado depois, porque foram utilizadas duas armas, a
intenção de a desfigurar tão gravosamente, bem como o destino do Luís Moreira
do Vale. Como apareceu então o Luís Moreira do Vale numa vala que corre, sem
resguardo, ao longo de muitos metros da estrada Alcobaça-Valado de Frades,
perto da C.O.F.T.A.?
Para
Gouveia, a mulher terá sido morta por ação de duas pessoas, ambas do PC, uma
das quais o marido, o qual veio a ser depois silenciado pelo cúmplice, para
prevenir uma eventual denúncia.
A
credibilidade de Fernando Gouveia suscita dúvidas.
Nunca
refere (obviamente?), o que se sabia no
seio da oposição e passou a ser público, depois do 25 de Abril, desde logo,
graças à ação da Comissão Nacional de
Socorro aos Presos Políticos, que elaborou um relatório para a Comissão de Extinção da PIDE/DGS.
O
ex-PIDE, destaca pelo contrário, o mérito
das práticas coercivas utilizadas cientificamente
nos interrogatórios de manhã, de tarde ou noite, sem evidenciar que o grande objetivo era aniquilar a vontade de
resistência do detido, destruir a sua personalidade, utilizando, se necessário,
a humilhação para o levar a falar. E destaca ainda, as condecorações e
louvores a si e colegas, bem como os métodos de investigação.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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