BASÍLIO MARTINS, A CDE (ALCOBAÇA), A PIDE, J.
SANCHES FURTADO E OUTROS
Fleming de Oliveira
Basílio
Martins, recorda aquela vez que ao desembarcar na Estação de Caminho de Ferro
de Valado de Frades, ter procurado um ferroviário amigo, para o cumprimentar e
quando bateu à porta da casa, situada na rua da Estação, veio a mulher que lhe
disse, Olha, veio cá a PIDE e levou-o.
Basílio
Martins não participou (por falta de idade), na campanha do Gen. Delgado, mas
ouviu contar algumas peripécias, e viu apoiantes indo de bicicleta até à Cela
Velha, para o estimularem e ouvirem. Muitas das pessoas, que em Alcobaça apoiaram
o Gen. Delgado, vieram anos depois, 1969, a assinar comunicados de apoio à lista de
oposição/CDE, pelo círculo de Leiria. encabeçada por Aguinaldo Espada Santos, Agente Técnico de Engenharia, da Marinha
Grande, e que incluía ainda Alberto Bernardes Costa, estudante de Direito em Lisboa, residente em Évora de Alcobaça (futuro
Ministro PS) Jorge Nogueira Silvestre, Engenheiro
Agrónomo, residente em Alcobaça (futuro presidente da CA da CMA após o 25
de Abril-PC), José Henriques Vareda
Advogado em Leiria, Sérgio Ferreira Ribeiro, economista em Lisboa e Vasco da Gama Fernandes, Advogado em Leiria (com fortes ligações
a Alcobaça, aonde iniciou na década de 1930 a sua vida profissional).
Uma
importante jornada de propaganda da CDE, realizou-se por alturas de 1969, num
pavilhão sito na Fonte Nova, na altura explorado pela Pensão Restaurante Corações Unidos, para casamentos e reuniões. Nesse jantar falou Vasco da Gama
Fernandes, que não se coibiu de atacar o poder político afeto ao regime e,
muito concretamente, o Presidente da Câmara, Tarcísio Trindade, que reagiu
desabridamente no seu jornal.
O
grupo de apoiantes da CDE, em Alcobaça e subscritores de um manifesto, era
muito heterogéneo, com cerca de 200 pessoas, de diversas idades e profissões (unidas
pela ideia de combater o regime), como vidreiros, comerciantes, gerentes
comerciais, técnicos de contas, médicos, professores, agricultores, donas de
casa e estudantes.
Atividade
política publicamente assumida apenas se podia desenvolver nos períodos de
campanha eleitoral. Organizavam-se almoços, jantares, caravanas automóvel,
sessões de esclarecimento, frequentemente em adegas. Nestes períodos, a
liberdade era condicionada. Apesar das sessões de propaganda serem autorizadas,
havia o risco de aparecerem a assistir (infiltrados), agentes ou informadores
da PIDE que, acabavam por incomodar os oradores e participantes. A PIDE, tinha
preocupação em fazer passar a imagem de que dispunha de ouvidos e olhos em toda
a parte, ainda que isso não fosse
verdade.
Havia
pessoas que se ofereciam como informadores. O Ministério do Interior recebia
cartas com esse objetivo e a PIDE, vinha a depois a ser consultada, para se
decidir se a oferta tinha valor, interesse, se o candidato dispunha de relações
com a oposição, era analfabeto ou até padre. Corria que houve vários sacerdotes
a oferecerem-se.
Segundo
Irene Flunser Pimentel, havia muito mais
pessoas a oferecerem-se à PIDE, do que aquelas qua a polícia política alguma
vez poderia utilizar, o que desmente uma tese grata aos comunistas, segunda
a qual houve sempre muita gente, a maioria da população do país, a opor-se ao
Estado Novo. De facto, as razões que levava uns tantos a oferecerem-se como
voluntários, ainda que não remunerados eram variadas, o desejo de vingança, a
inveja contra pessoas de maior estatuto económico, social ou intelectual, enfim
uma certa necessidade de poder.
Em
Alcobaça também os houve, embora não seja de interesse vir revelar nomes, pois
alguns se já cá não estão, pelo menos
têm familiares próximos.
Relativamente
a personalidades de Alcobaça, que assumiram posições de relevo e de idoneidade
política ou moral há, segundo Basílio Martins, que destacar nomes como o João
Lameiras de Figueiredo, Abílio Gil Moreira, David Pinto, José Sanches Furtado
ou António Luís Ventura.
Destes,
teve relações mais estreitas com António Luís Ventura, sobretudo depois do 25
de abril, o qual tinha poder de mobilização e sedução junto da juventude e que
colaborou em muitas iniciativas de carácter progressista, como uma cooperativa
chamada Cooperativa de Consumo PROGRESSO ALCOBACENSE, uma espécie
de escola que funcionava em sua casa, com a qual que ajudou a formar jovens que
não tinham possibilidades económicas de aceder ao ensino doutra forma. Segundo
Basílio Martins, António Ventura jamais pretendeu influir diretamente nas
convicções políticas dos alunos, nem tirar proventos materiais. O seu interesse
era abrir perspetivas para uma melhor compreensão dos problemas sociais. Alguns
contabilistas, que ainda agora vivem e trabalham na nossa zona, estudaram com
António Ventura.
João
Lameiras de Figueiredo, era tido como exemplo de generosidade para com os
doentes e de honestidade cívica e política. Basílio Martins recorda reuniões
políticas, na cave de David Pinto, em que participaram oposicionistas de
Alcobaça e outros que vinham de fora. Tem ideia que o próprio Mário Soares,
também participou, numa ou mais dessas reuniões na casa de David Pinto.
De
José Sanches Furtado, que mal conheceu, lembra que se citava um dito que
utilizava com frequência, nunca mais
vemos o fundo ao tacho. Furtado queria dizer, que nunca mais caía o regime.
Já abordei,
a personalidade de José Sanches Furtado (que aliás não conheci).
Socorrendo-me
de informações de sua filha, Profª. Zulmira Marques, vou contar alguns aspetos
pitorescos da sua maneira de ser.
No dia 31 de Janeiro, vestia sempre o fato
melhor (azul escuro) e punha uma gravata vermelha e dizia-me que era para
celebrar a primeira revolta republicana no Porto.
No dia 5 de Outubro, hasteava sempre a
bandeira da República à janela da sua casa e enchia-me de medo e vergonha,
estávamos numa ditadura férrea, pedia-lhe: oh papá não ponha a bandeira,
ninguém a põe, tenho medo e vergonha do que me dirão, ele respondia: Cala-te menina, temos de ter coragem para lutar pelas
nossas convicções.
Outras vezes, os meus irmãos, foram 3,
quando andavam na escola eram obrigados a ter a farda da Mocidade Portuguesa,
mas o meu pai não os deixava vesti-la e lembro-me do meu irmão mais novo chorar
porque a professora e os colegas faziam troça dele, mas o meu pai dizia filho
meu não anda com o S-Salazar no cinto duma farda. E realmente
nunca usaram, nem os professores mais lhe falaram no assunto.
Tinha também umas garrafas de vinho da
Madeira, adorava Madeira porque a primeira esposa era da Ilha, para abrir
quando caísse a Ditadura e passava a vida a dizer está por horas mesmo em períodos
de mais desânimo.
Numa das alturas duma determinada
conspiração, escondeu em casa duma irmã, um famoso oposicionista que vinha para
preparar uma revolta que, como de costume deu em nada e quem lhe levava a
comida era eu, que tinha na altura 7 anos, para não levantar suspeitas. E lá ia
cheia de medo, durante a primeira semana e depois, em colaboração com outros
oposicionistas, conseguiram pôr o senhor a salvo, sem que lhes acontecesse
nada. Esteve também fugido na Serra dos Candeeiros, quando teve a
cabeça a prémio, isto é a, sua fotografia por todo o lado para quem o
encontrasse entregar às autoridades, mas devido ao meu avô ter lagares de
azeite nessa região, a população serrana escondia-o e acolhia-o muito bem.
Nos últimos anos da sua vida, devido à
gravidade da sua doença, coração, pela vida agitada, refreou a sua
luta, mas nunca descurou os seus ideais. Nunca se serviu da política, mas sim
serviu-a com vigor, quer auxiliando-a monetariamente, quer com acção. Morreu
pobre, ele que fora tão rico, mas nunca lhe ouvi uma palavra de lamento ou
revolta. Aceitou a doença com enorme dignidade e morreu sereno e em paz, apesar
de não ter crença religiosa. Minha mãe e tias, professoras de profissão, eram
extremamente religiosas, pois pertenciam a uma família da Beira Alta em que,
havia muitos padres na família. Pois o meu pai nunca a censurou por ir todos os
dias à igreja e às minhas tias pertencerem às Irmandades. Respeitava as convicções
ele que foi sempre ateu. Quando nós nascemos éramos seis, só punha uma condição o baptismo só seria celebrado quando nós
tivéssemos entendimento e assim o desejássemos, o faríamos. Foi assim que
aconteceu, respeitava todas as condições. Mesmo no fim da vida e lutando em
muitas dificuldades económicas, acolheu em sua casa aqueles que mais
necessitavam, sem se preocupar se ficava alguma coisa para ele. Foram esses
princípios que nos nortearam e que eu procurei depois transmitir aos meus
filhos e netos.
De
acordo com a sua biografia prisional a que tive acesso, foi preso para averiguações pela PIDE,
em Alcobaça, no dia 28 de dezembro de 1948, aliás dia de seu aniversário, tendo
dado entrada na Directoria no dia
seguinte e recolhido ao Depósito de Presos
de Caxias, em 5 de janeiro. Foi restituído à liberdade condicional a 2 de março
e à liberdade definitiva em 9 de abril, por insuficiência de prova, embora só
em 9 de setembro de 1949 tenha sido disso notificado.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO
E OUTROS
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