quarta-feira, 16 de abril de 2014

BASÍLIO MARTINS, A CDE (ALCOBAÇA), A PIDE, J. SANCHES FURTADO E OUTROS


 

BASÍLIO MARTINS, A CDE (ALCOBAÇA), A PIDE, J. SANCHES FURTADO E OUTROS

Fleming de Oliveira


Basílio Martins, recorda aquela vez que ao desembarcar na Estação de Caminho de Ferro de Valado de Frades, ter procurado um ferroviário amigo, para o cumprimentar e quando bateu à porta da casa, situada na rua da Estação, veio a mulher que lhe disse, Olha, veio cá a PIDE e levou-o.

Basílio Martins não participou (por falta de idade), na campanha do Gen. Delgado, mas ouviu contar algumas peripécias, e viu apoiantes indo de bicicleta até à Cela Velha, para o estimularem e ouvirem. Muitas das pessoas, que em Alcobaça apoiaram o Gen. Delgado, vieram anos depois, 1969, a assinar comunicados de apoio à lista de oposição/CDE, pelo círculo de Leiria. encabeçada por Aguinaldo Espada Santos, Agente Técnico de Engenharia, da Marinha Grande, e que incluía ainda Alberto Bernardes Costa, estudante de Direito em Lisboa, residente em Évora de Alcobaça (futuro Ministro PS) Jorge Nogueira Silvestre, Engenheiro Agrónomo, residente em Alcobaça (futuro presidente da CA da CMA após o 25 de Abril-PC), José Henriques Vareda Advogado em Leiria, Sérgio Ferreira Ribeiro, economista em Lisboa e Vasco da Gama Fernandes, Advogado em Leiria (com fortes ligações a Alcobaça, aonde iniciou na década de 1930 a sua vida profissional).
Uma importante jornada de propaganda da CDE, realizou-se por alturas de 1969, num pavilhão sito na Fonte Nova, na altura explorado pela Pensão Restaurante Corações Unidos, para casamentos e  reuniões. Nesse jantar falou Vasco da Gama Fernandes, que não se coibiu de atacar o poder político afeto ao regime e, muito concretamente, o Presidente da Câmara, Tarcísio Trindade, que reagiu desabridamente  no seu jornal.
O grupo de apoiantes da CDE, em Alcobaça e subscritores de um manifesto, era muito heterogéneo, com cerca de 200 pessoas, de diversas idades e profissões (unidas pela ideia de combater o regime), como vidreiros, comerciantes, gerentes comerciais, técnicos de contas, médicos, professores, agricultores, donas de casa e estudantes.
Atividade política publicamente assumida apenas se podia desenvolver nos períodos de campanha eleitoral. Organizavam-se almoços, jantares, caravanas automóvel, sessões de esclarecimento, frequentemente em adegas. Nestes períodos, a liberdade era condicionada. Apesar das sessões de propaganda serem autorizadas, havia o risco de aparecerem a assistir (infiltrados), agentes ou informadores da PIDE que, acabavam por incomodar os oradores e participantes. A PIDE, tinha preocupação em fazer passar a imagem de que dispunha de ouvidos e olhos em toda a parte, ainda  que isso não fosse verdade.
Havia pessoas que se ofereciam como informadores. O Ministério do Interior recebia cartas com esse objetivo e a PIDE, vinha a depois a ser consultada, para se decidir se a oferta tinha valor, interesse, se o candidato dispunha de relações com a oposição, era analfabeto ou até padre. Corria que houve vários sacerdotes a oferecerem-se.
Segundo Irene Flunser Pimentel, havia muito mais pessoas a oferecerem-se à PIDE, do que aquelas qua a polícia política alguma vez poderia utilizar, o que desmente uma tese grata aos comunistas, segunda a qual houve sempre muita gente, a maioria da população do país, a opor-se ao Estado Novo. De facto, as razões que levava uns tantos a oferecerem-se como voluntários, ainda que não remunerados eram variadas, o desejo de vingança, a inveja contra pessoas de maior estatuto económico, social ou intelectual, enfim uma certa necessidade de poder.
Em Alcobaça também os houve, embora não seja de interesse vir revelar nomes, pois alguns se já  cá não estão, pelo menos têm familiares próximos.

Relativamente a personalidades de Alcobaça, que assumiram posições de relevo e de idoneidade política ou moral há, segundo Basílio Martins, que destacar nomes como o João Lameiras de Figueiredo, Abílio Gil Moreira, David Pinto, José Sanches Furtado ou António Luís Ventura.
Destes, teve relações mais estreitas com António Luís Ventura, sobretudo depois do 25 de abril, o qual tinha poder de mobilização e sedução junto da juventude e que colaborou em muitas iniciativas de carácter progressista, como uma cooperativa chamada Cooperativa de Consumo PROGRESSO ALCOBACENSE, uma espécie de escola que funcionava em sua casa, com a qual que ajudou a formar jovens que não tinham possibilidades económicas de aceder ao ensino doutra forma. Segundo Basílio Martins, António Ventura jamais pretendeu influir diretamente nas convicções políticas dos alunos, nem tirar proventos materiais. O seu interesse era abrir perspetivas para uma melhor compreensão dos problemas sociais. Alguns contabilistas, que ainda agora vivem e trabalham na nossa zona, estudaram com António Ventura.
João Lameiras de Figueiredo, era tido como exemplo de generosidade para com os doentes e de honestidade cívica e política. Basílio Martins recorda reuniões políticas, na cave de David Pinto, em que participaram oposicionistas de Alcobaça e outros que vinham de fora. Tem ideia que o próprio Mário Soares, também participou, numa ou mais dessas reuniões na casa de David Pinto.
De José Sanches Furtado, que mal conheceu, lembra que se citava um dito que utilizava com frequência, nunca mais vemos o fundo ao tacho. Furtado queria dizer, que nunca mais caía o regime.

Já abordei, a personalidade de José Sanches Furtado (que aliás não conheci).
Socorrendo-me de informações de sua filha, Profª. Zulmira Marques, vou contar alguns aspetos pitorescos da sua maneira de ser.
No dia 31 de Janeiro, vestia sempre o fato melhor (azul escuro) e punha uma gravata vermelha e dizia-me que era para celebrar a primeira revolta republicana no Porto.
No dia 5 de Outubro, hasteava sempre a bandeira da República à janela da sua casa e enchia-me de medo e vergonha, estávamos numa ditadura férrea, pedia-lhe: oh papá não ponha a bandeira, ninguém a põe, tenho medo e vergonha do que me dirão, ele respondia: Cala-te menina, temos de ter coragem para lutar pelas nossas convicções.
Outras vezes, os meus irmãos, foram 3, quando andavam na escola eram obrigados a ter a farda da Mocidade Portuguesa, mas o meu pai não os deixava vesti-la e lembro-me do meu irmão mais novo chorar porque a professora e os colegas faziam troça dele, mas o meu pai dizia filho meu não anda com o S-Salazar no cinto duma farda. E realmente nunca usaram, nem os professores mais lhe falaram no assunto.
Tinha também umas garrafas de vinho da Madeira, adorava Madeira porque a primeira esposa era da Ilha, para abrir quando caísse a Ditadura e passava a vida a dizer está por horas mesmo em períodos de mais desânimo.
Numa das alturas duma determinada conspiração, escondeu em casa duma irmã, um famoso oposicionista que vinha para preparar uma revolta que, como de costume deu em nada e quem lhe levava a comida era eu, que tinha na altura 7 anos, para não levantar suspeitas. E lá ia cheia de medo, durante a primeira semana e depois, em colaboração com outros oposicionistas, conseguiram pôr o senhor a salvo, sem que lhes acontecesse nada. Esteve também fugido na Serra dos Candeeiros, quando teve a cabeça a prémio, isto é a, sua fotografia por todo o lado para quem o encontrasse entregar às autoridades, mas devido ao meu avô ter lagares de azeite nessa região, a população serrana escondia-o e acolhia-o muito bem.
Nos últimos anos da sua vida, devido à gravidade da sua doença, coração, pela vida agitada, refreou a sua luta, mas nunca descurou os seus ideais. Nunca se serviu da política, mas sim serviu-a com vigor, quer auxiliando-a monetariamente, quer com acção. Morreu pobre, ele que fora tão rico, mas nunca lhe ouvi uma palavra de lamento ou revolta. Aceitou a doença com enorme dignidade e morreu sereno e em paz, apesar de não ter crença religiosa. Minha mãe e tias, professoras de profissão, eram extremamente religiosas, pois pertenciam a uma família da Beira Alta em que, havia muitos padres na família. Pois o meu pai nunca a censurou por ir todos os dias à igreja e às minhas tias pertencerem às Irmandades. Respeitava as convicções ele que foi sempre ateu. Quando nós nascemos éramos seis, só punha uma condição o baptismo só seria celebrado quando nós tivéssemos entendimento e assim o desejássemos, o faríamos. Foi assim que aconteceu, respeitava todas as condições. Mesmo no fim da vida e lutando em muitas dificuldades económicas, acolheu em sua casa aqueles que mais necessitavam, sem se preocupar se ficava alguma coisa para ele. Foram esses princípios que nos nortearam e que eu procurei depois transmitir aos meus filhos e netos.

De acordo com a sua biografia prisional a que tive  acesso, foi preso para averiguações pela PIDE, em Alcobaça, no dia 28 de dezembro de 1948, aliás dia de seu aniversário, tendo dado entrada na Directoria no dia seguinte e recolhido ao Depósito de Presos de Caxias, em 5 de janeiro. Foi restituído à liberdade condicional a 2 de março e à liberdade definitiva em 9 de abril, por insuficiência de prova, embora só em 9 de setembro de 1949 tenha sido disso notificado.

NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS

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