PADRE QUE CAÇAVA COM FURÃO E GOSTAVA DE SAIAS (Alpedriz, segunda metade do
sec.XX )
Fleming de Oliveira
O meu
estimado amigo Altino do Couto Ribeiro, embora nunca tivesse sido pessoa
frequentador da igreja, nada tinha contra os padres e dava-se bem com o Pe.
Vergílio, que há muitos anos paroquiou Alpedriz, onde deixou algumas marcas
curiosas.
Encontravam-se
para conversar e, de vez em quando, para caçar coelhos ou perdizes. Num
determinado dia, antes de saírem para a caça, armas, cães e farnel preparados,
bem como tudo o mais que cumpre, o Pe. Vergílio anunciou que, dessa vez, iria
levar um furão de estimação muito bem
tratado e treinado.
Como
se sabe, em Portugal, é ilegal ter furões, mesmo como animais de estimação,
devido a lei não permitir que estes animais sejam utilizados para caçar, sem
uma licença especial. Antigamente era assim, agora não tenho a certeza. Não
existe, todavia, qualquer diferença entre os furões utilizados para a caça e os
furões como animais de estimação.
-Eu sei que é proibido, mas sempre ajuda a
apanhar um coelhito, acrescentou com um
sorriso meio constrangido o Pe. Vergílio.
-Oh Senhor Padre, se levar o furão eu não
saio, respondeu Altino. Não quero ter problemas com a Venatória.
Perante
esta firmeza, o furão ficou mesmo em casa. Depois de uns tiros com mais ou
menos pontaria encontraram, a meio da manhã, os guardas da Venatória. que os
mandaram parar. O Padre ainda tentou evitá-los acelerando o passo, enquanto
Altino ficou a pequena distância a assistir com curiosidade à conversa, durante
a qual aquele tentava convencer os guardas que, enquanto sacerdote, estava
dispensado de licença de uso e porte de arma de caça, razão porque a não tinha
!!!
Não há
ainda muitos anos, era costume pelo Natal, no fim da missa, as pessoas fazerem
fila para, em frente ao altar, se ajoelharem a beijar uma imagem do Menino
Jesus, normalmente no pé.
Há
quem diga, à margem de outro argumento mais consistente, que a prática não era
muito higiénica e, por isso, a recusavam, apesar de o sacristão passar de cada
vez, uma toalha para limpar os restos de saliva ou os perdigotos que alguns,
mais gulosos ou ávidos, lá deixavam.
Num
Natal, do início dos anos sessenta, o uso cumpria-se em Alpedriz, com o povo
postado ordeira e piedosamente a
beijar o pé do Menino. O Pe. Vergílio, que conhecia por dentro e por fora a
vida de todos os paroquiano(a)s, descortinou na fila, através do véu, uma muito
compenetrada senhora, quarentona e em bom estado, que já há algum tempo se
tentava insinuar junto dele, embora sem
sucesso. Ele não queria nada com ela, pois tinha sempre disponíveis, raparigas novas e fresquinhas.
Todavia,
o Pe. Vergílio não conseguiu evitar fazer-lhe, publicamente, uma maldade.
Quando chegou a vez dela, retirou-lhe ostensivamente o Menino Jesus, o que
criou um grande surúrú, especialmente
entre as pessoas que não perceberam a razão do insólito gesto.
Por
estas e por outras, havia também muita gente que não gostava do Pe. Vergílio e
dizia mal dele. Mas ele não se preocupava com isso e tinha um argumento eficaz
e sempre pronto. Quando a orelha aquecia e rosava de repente (de acordo com a
tradição popular alguém estava a falar mal dele), o Pe. Vergílio começava a
dizer rapidamente o nome dos suspeitos, em voz alta (fosse onde fosse) até a
orelha parar de arder ou perder a cor. Para aumentar a eficiência do
contra-ataque, o Pe. Vergílio mordia mesmo o dedo mindinho da mão esquerda,
para que o sujeito maldizente mordesse a própria língua…
As
paroquianas mais chegadas achavam muita graça a estes trejeitos. Parece correto
concluir que podemos (padres e laicos) ignorar muitas superstições, usos ou
costumes antigos que deixaram de ter sentido hoje em dia, tais como rituais e
prenúncios ligados à feitura manual de feno, a crença de que encontrar um
limpa-chaminés é um bom sinal ou que os amola-tesouras e facas trazem chuva.
Porém,
ainda permanece um número surpreendente de prenúncios, nos quais as pessoas
acreditam, no início do racional e científico século XXI.
Durante
a vindima, uma rapariga dos Montes ao retirar o lenço do bolso do avental, deixou
sem se aperceber, cair um papel ao chão. As colegas trataram de ver logo o que
nele estava escrito, antes de o devolverem. Para enorme gáudio e surpresa,
constataram que lá estava ajustado, para o dia seguinte, um encontro com o Pe.
Vergílio, que só poderia ser de amor.
O facto correu célere, não tanto por ser interveniente o Padre (o que não seria
novidade), mas por ser com uma rapariga noiva e acima de toda a suspeita.
Os
seus familiares, para lavarem a honra maculada, foram queixar-se ao Bispo de Leiria,
que, possivelmente à espera de uma oportunidade, resolveu castigar o Pe.
Vergílio, mandando-o coadjuvar um outro, numa terra do Ribatejo. Segundo conta o
meu amigo Altino Ribeiro, nessa localidade, o Pe Vergílio, voltou a ter sarilhos de saias, pelo que ali esteve
pouco tempo, até ser nomeado capelão militar e enviado para Angola.
Um
belo dia dos fins da década de 1950 um grupo de senhoras que organizavam a
festa de Santa Marta, nos Montes, talvez por sugestão do Pe. Vergílio,
dirigiram-se a casa do Sr. Damião a pedir-lhe flores do seu jardim. Ele
respondeu-lhes muito delicada, mas firmemente, que não, não dou nem uma flor, porque as só flores são belas no jardim, e
os jardins só são bonitos quando têm flores. Mas as senhoras e o senhor padre
que não me levem a mal, têm aqui o dinheiro necessário para comprar flores, que
não faltem na nossa capela, nem no andor que quero com muitas flores. Quero que
este ano a festa tenha muitas e bonitas flores, mas as flores do meu jardim não
chegariam para nada.
Os
padres também vão para o inferno? Altino Ribeiro diz que um padre das suas
relações lhe confidenciou que estava convencido que, quando morresse, ia para
direto para o inferno, tal como as
línguas das freiras (que são muito coscuvilheiras…).
Altino
respondeu-lhe que não tinha razão, além de que tinha muito gosto em defender a
reputação delas, aliás suas cunhadas.
-Mas vc. tem alguma freira cunhada?, perguntou-lhe admirado o padre.
-Tenho muitas, não uma, pois para a minha
mulher elas são todas irmãs.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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