-REGEDORES-
O
ÚLTIMO REGEDOR DA MAIORGA. ANTES DO ESTADO NOVO.
REGEDORES
EM VIMEIRO E ALPEDRIZ (Alcobaça).
A PIDE
E A BARRIGA DO BOI-
Fleming de Oliveira
Mário
Fadigas (da Maiorga), gostava de recordar a pequena história do último Regedor
da I República, na sua freguesia.
Seu
pai, António Fadigas da Silva, nunca frequentou a escola, tendo realizado o
exame da 4ª. Classe (2º. grau) na tropa, depois de ter aprendido a ler com os
serralheiros da Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça (COFTA), para onde foi
trabalhar com 10 anos.
Republicano,
reviralhista (todavia pouco interventivo politicamente) e, ao que se diz, maçon.
2º. Sargento de Artilharia de Costa, esteve nas trincheiras em França, com o
CAPI durante a I Guerra. Felizmente não foi gaseado, tendo-se oferecido, dada a
admiração que nutria por Afonso Costa.
Apesar
de simpatizante do Partido Democrático, nunca se inscreveu nele e embora
vivesse num meio rural (segundo o filho Mário me contou), não sabia plantar uma batata, nunca foi agricultor. Era essencialmente
um serralheiro.
António
Fadigas da Silva, com trinta anos de idade, foi nomeado por Alvará (escrito à
mão em papel azul e com selo branco do Governo Civil de Leiria, datado de 8 de
maio de 1925), Regedor Efetivo da
Freguesia da Maiorga, sob proposta do delegado do governo em Alcobaça,
tendo tomado posse no dia 14. Porém não ocupou o lugar por muito tempo pois,
com o 28 de maio, pediu a imediata exoneração, tendo-lhe a mesma sido concedida
por Alvará do novo Governador Civil de Leiria, Cap. Henrique Pereira do Vale (natural
da Cela-Alcobaça), datado de 24 de junho de 1926.
Mário
Soares, de acordo com uma conversa que tive com Fadigas, pediu-lhe há uns anos,
quando uma vez o visitou em sua casa na Maiorga, que oferecesse ao Museu da
República, os Alvarás de Nomeação e de Exoneração de seu pai, que ainda guardava
ciosa e cuidadosamente.
Alguns
anos mais tarde era Regedor no Vimeiro Ti’ Joaquim sapateiro.
No
Vimeiro, Ti’ Joaquim, era a alta instância e o senhor da última palavra. Sapateiro
e regedor (bem gostaria de ter sido Presidente da Junta, mas como não sabia ler,
nem escrever o Presidente da Câmara de Alcobaça nunca o nomeou), mestre na arte
da sovela passava o sebo com grande rigor, para evitar ao fio qualquer
problema, quando cosia a gáspea à sola.
Ti’
Joaquim percebia tanto de gáspeas, de solas, como de pessoas, e se necessário
tanto batia numas, quanto nas outras.
Chamava à razão o calaceiro, dirimia zangas quanto a extremas ou conjugais,
desmascarava o trapaceiro e os seus argumentos soezes, não perdoava ao
taberneiro o crime gravíssimo de
deitar água no vinho. Se uma cabra distraída
fazia a pastagem numa vinha, comendo ora a erva, ora as videiras, ficavam de
dieta durante dois dias, pelo menos a cabra e pastor. Tendo Ti’ Joaquim tanta
aceitação popular para ser regedor ou até eventualmente ser Presidente da Junta
(o problema como se referiu era não ter andado na escola), nunca se achegou ao rabecão.
É que
se a moldar a sola ele era audaz e bom pastor, a tocar as reses (os vizinhos),
eventualmente não seria mais que capataz, se ousasse ir além de regedor. E por
ali se quedou.
O que
era um Regedor?
Regedor
era a designação da autoridade administrativa do grau mais baixo, a qual
funcionava em cada freguesia, subordinada ao Presidente da Câmara Municipal que
livremente o nomeava e exonerava.
O
termo regedor serviu, outrora, para a designação de altos cargos como Regedor
de Justiça, que presidia ao Tribunal da Casa da Suplicação. Mas o Regedor, durante o Estado Novo, era um vulgar
cidadão, com a missão de manter a ordem na pequena circunscrição, que é a
freguesia. O Regedor tinha as atribuições definidas no Código Administrativo,
de natureza administrativa e policial.
No atual
ordenamento jurídico, já não existe a figura do Regedor. O Regedor fazia um relatório das atividades que entregava com
regularidade na Câmara Municipal, que depois encaminhava para o Governo Civil. O Regedor tinha a função de zelar pelas
pessoas e pelos bens da freguesia. Não recebia ordenado por um trabalho que lhe ocupava muito tempo. Quando
havia necessidade de prender alguém, o Regedor era o responsável pelo preso,
tinha que o levar a Alcobaça a pé. Se a prisão acontecesse à tarde, ficava toda
a noite a vigiá-lo e a esposa mantinha o lume aceso para se aquecerem, e fazer
café para não adormecerem. Havia casais que discutiam ou brigavam, pelo que
acontecia por vezes um deles ir queixar-se ao Regedor, que assim fazia de
conselheiro matrimonial. O Regedor era testemunha, juiz, e a sua palavra
valia mais do que um documento.
No tempo da II Guerra, não havia comida com
fartura, pois tinha de ser racionada. Mesmo que alguém tivesse muito dinheiro,
podia não comprar o que quisesse. A cada família era atribuído um número de
senhas, que eram distribuídas pelo Regedor.
Inácio
Catarino, dos Montes, ainda conheceu o primeiro Regedor da freguesia de
Alpedriz dos tempos do Estado Novo, o carpinteiro e agricultor José Alves
Catarino, e que tinha como cabo de ordens José Carreira. Também conheceu alguns
que se lhe seguiram como José Santo, José Henriques Salgueiro, Fernando Gomes Loureiro
e recorda Presidentes da Junta como José Ribeiro Malhó, José Rodrigues Ascenço,
Francisco Rodrigues Ascenço Franco ou José Salgueiro Rodrigues Franco, todos
dos Montes e inscritos na União Nacional (U.N.), ou pelo menos adeptos do
regime. Lembra-se da vez em que o Regedor José Santo denunciou Afonso Salgueiro
como perigoso conspirador político, o que determinou que este fosse conduzido
aos calabouços do Governo Civil de Leiria para averiguações. Afonso Salgueiro
sempre se assumiu como republicano, adepto de Afonso Costa e anticlerical, mas
nunca foi pessoa de significativa ação política, pelo que era manifestamente
sem sentido, injusta e inquietante a sua detenção. Assim foi libertado ao fim
de dois ou três dias, o que não impediu que durante algum tempo se louvasse
junto dos amigos dessa incursão pela política. Quando regressou a casa, nos
Montes, as pessoas perguntavam-lhe se havia provado a barriga do boi (isto é, se tinha levado com cavalo marinho), o que
sempre negou, alegando que tinham tido pena dele, por ter um filho deficiente.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE
SALAZAR, CAETANO E OUTROS
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